terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Resquícios de diário: Uerla Cardoso 24/12/2012




Individuodividido



Não quero dizer nada hoje, não me perguntem como estou nem o que tenho feito, prefiro não deixar as palavras escaparem sem querer, que fiquem presas o quanto quiserem, até que o estômago as expulsem.  Tem muito tempo que não vejo muita gente, muita gente que não me vê com olhos de tempos atrás. Estou sentada aqui na frente do banheiro, nessa mesa com um litro de cerveja pela metade intocada por mim, acredito que esquecido por alguém ou trocado por um uma bebida mais “quente”. Tem muita gente nesse lugar, quando minhas pernas não tinha perebas e os pés tateavam esse chão, nunca vi tantas cabeças, tantos perfumes, tantas maquiagens, tantos sapatos, tantas camisas com diversas estampas, tantos casais, tantas conversas, tantos risos, tantas pessoas. É uma tempestade de palavras, uma chuva de humores e expressões em cada face, reencontros, decepções e rotinas, todos juntos em um coro, sintonizados em descompassos, mesmo lugar. Não queria dizer nada, apenas escutar o fundo musical, imperceptível para o tamanho das emoções, do reencontro... Uns ou outros escutavam a trilha. Os velhos amigos com amigos recentes destrincham histórias recentes, riem risos recentes, frescos na memória. As lembranças empoeiradas, não trazem os pés de galinha no canto dos olhos, as gargalhadas não escancaram dentes, apenas esticam levemente os lábios, franzindo canto de boca. Nota-se a falta de gosto ao rever velhos retratos. Que olhos diferentes... É bom que sejam diferentes, impossível serem iguais. Os meus também não o são. Não consigo me prender em conversa nenhuma, também não sei dizer como estou, a quem pergunta sem querer de fato saber. “Está tudo bem”, pobre mal, parece esquecido para ouvidos falsamente desejáveis. Como crescem rápido as crianças, como se lamentam rápido as crianças, não existe mais surpresa, o brilho dos olhos são pensados, milimetricamente calculados em frações de segundo. Em um minuto o sangue escorre entre umas pernas, e o leite entre outras. Inevitável não mostrar o acontecido, impossível aumentar o vestido laranja de florzinha, ou o macacão apertado.