terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Diário de trabalho: Saulus Castro - 07/01/2013


Foi assim: havia pontes elevadas sobre um abismo desconhecido de matéria já pisada há muitos anos. Havia sangue pisado, chocolate pisado e havia muitas outras possibilidades de se pisar alguém. No entanto, mantínhamo-nos sobre todos os pés, sobre todo e qualquer chão de possibilidades. Caminhamos no impossível? Ainda não, acredito, mas bem longe de olhos estreitos. Sim, são olhos da amplidão dos mundos, dos muitos mundos conhecidos e desconhecidos. ‘Coisas futuras’? Que ‘Coisas futuras’? Futuro mesmo é esse agora ansioso, é a próxima transpiração – não de sal – de imagens, tempos, sombras, estrelas, mundos, órbitas, pontes, fotos, galáxias, infinitos, chocolate. Futuro de lá é a idéia que não veio. Aqui, “o que procuras, senhora?” “Estás pensando em algo?” Não! Soa lá do infindável: não! E deita para nada; põe fronha no travesseiro dos olhos, e deita-os para si querendo o de lá distante, o das estrelas e o de além das estrelas; querendo o de onde não teve início. São muitas pontes nestas rotas sobre a água seca, sob a roupa rota. Quantas horas gastei para tais pontes? O tempo de uma idéia. Pontes não se atravessam, mesmo; se permitem. Estas aqui são uma encruzilhada. Dois pontos saem, põem-se outros e 'inda são os mesmos. Os universos se acendem e inicia-se um lusco-fusco de vida e morte. Somos feitos para o mirar de alguém, e, antes de tudo, para os nossos desenredos; partindo do outro, de si, do inexistente, somos "vivedores de desenredos".
São sob um céu de folhas, aquelas árvores aéreas, - lembras? - fincando raízes no chão do céu e florescendo em verde anil; seus troncos sugam nuvens e chovem frutos cá pra nós. Mas ainda tocamos as folhas, atravessamos o véu dos divisores, do corte. "Cuidado com as pontes...". Atravessamos tantos objetos e tantas construções que não tem jeito: não tem fim. Daqui pra frente é quebrar paredes, pois se há pontes há estrelas, e elas estão em todos os lugares e as pescamos com a isca de tempo: são pescados de anos-luz, lá do fundo-longe, no "infundo". Olhamos para as estrelas como olhamos para os primeiros retratos, as primeiras imagens das crianças, quando ainda, nem crianças, mas um punhado de sombra-luz aquietado. "Estás procurando alguma coisa?" Nas folhas, nas fendas, nas fotos? "O que a senhora quer?" Eu tenho cabana de passar chuva sob uvas, e tenho renovadas dúvidas sobre o que te fazer esperar - esperas algo? Não tem jeito: sempre molho os pés, e fica essa sensação de que esses pés não são meus, e fica o cheiro do chão de terra na chuva passada ou é o cheiro da chuva que exala? Chuva só é chuva no chão! Uva pode voar e variar de cores e sabores.
Pensando bem, há um pouco de sonho nisso tudo, nestas costas amalgamadas, nesse olhar de céu, conjunto. Há uma voz que não cessa de dizer que o beijo dela é dele enquanto se tem os pés sobre o mundo, abarcando o mundo. São duas vozes. Tudo se torna dimensionável: as estrelas, o nascimento. Gastamos, nas sombras, as sobras do tempo. Encontramos fios de nós: no teto ou na telha, na 'vó' ou na velha que quis vê-la, num irmão que chora junto ou lança facão. Num barco virado, sem rumo, há sonho. Na merendeira ou num vestido de flores.
Foi assim!



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